Os 7 erros jurídicos mais cometidos pelas startups
O ciclo de uma empresa startup é comum para todas as empresas nascentes, da ideia à execução. A questão é que transformar a ideia num produto que se projeta na vida das pessoas tem, naturalmente, consequências jurídicas, o que vai desde a sua concepção até a interação daquela inovação/tecnologia com os consumidores/terceiros.
E, se por um lado, é evidente e indiscutível que esse impacto jurídico ocorre, por outro pouquíssimos são os empreendedores que se preocupam em moldar sua estrutura legal desde o momento 0 (zero), quando ainda se pode evitar possíveis prejuízos futuros (jurídicos, societários, consumeristas, regulatórios, entre outros).
É bem verdade que conhecemos diversos casos de startups de sucesso que não tiveram a preocupação jurídica desde o seu início. Tal constatação, no entanto, não deve virar a regra entre as empresas – mas é a exceção da exceção, até porque pouco se comenta daquelas milhares outras que definharam justamente em razão da falta de uma consultoria jurídica adequada (a exemplo, uma dissolução de uma ideia em razão de brigas entre sócios que poderia ser facilmente resolvida se estivesse juridicamente pensada).
Portanto, pelo bem de sua startup, confira sete grandes erros jurídicos que empreendedores cometem durante a execução daquela ideia brilhante!
Erro 1: Não pensar na parte jurídica
Sem dúvidas esse é o maior erro. No Brasil não há cultura de ter o advogado como consultor, mas apenas como “apagador de incêndios”, ou seja: o advogado só entra em campo depois que o problema acontece.
E parte disso é a (exagerada e irreal) noção que os empreendedores têm de que “burocracias” da lei são detalhes alheios à execução do seu negócio. Soma-se à isso a falsa confiança que startupeiros possuem em achar que estrutura jurídica é “coisa simples” e não demanda muito esforço.
Esteja preparado. É extremamente importante que o empreendedor esteja perto do advogado de confiança quando chegar o momento de investimento ou de rápida escala do negócio. Pode ser, a exemplo, que da noite para o dia apareça um Investidor Anjo ou VC querendo colocar capital no seu projeto, e se você não tiver aquele advogado de confiança (que saiba das nuances jurídicas pertinentes) e que já conheça o projeto, talvez perderá alguns % nessa negociação e ainda estará desprotegido em tantas outras cláusulas.
Além disso, vale a pena que o empreendedor se familiarize com a legislação na qual ele está disposto a comercializar seu produto/serviço. Isto é, se for um produto de venda a consumidor, que o empreendedor tenha uma noção geral dos seus deveres, se é um produto ambientalmente correto, que saiba das regulações próprias, se é um produto financeiro, que procure conhecer as normas legislativas e administrativas pertinentes, e por aí vai.
Erro 2: Contratar amigos/familiares advogados que não sejam especialistas na área
Contratar um “advogado de confiança” nem sempre significa procurar um amigo ou familiar. O termo “confiança” subentende “conhecimento jurídico que protegerá o empreendedor”, mas não aquela pessoa para a qual se pode confiar um segredo, a exemplo. Ainda que ela seja advogado (a).
Por mais que seja natural a procura de amigos moralmente confiáveis para se montar uma empresa (outro erro, a propósito, mas não jurídico, e sim negocial), o empreendedor tem que ser lúcido o suficiente para entender que na hora de estruturar o seu negócio mais vale o profissional competente e com conhecimento de causa do que aquele amigo de bar que, volta e meia, fala do Direito do Consumidor em ter a cerveja estupidamente gelada ou dos direitos violentados por aquele policial que parou o Fulano na blitz da Lei Seca.
Procure um advogado que entenda de Direito Societário e que, se possível, some as expertises jurídicas que o seu negócio exige. Se não for possível, tenha mais de um advogado por perto.
Muitas vezes uma Aceleradora de Startups pode ser uma saída mais barata para o empreendedor, pois via de regra já incluem o consultivo jurídico dentro do processo de aceleração.
Erro 3: Não discutir cláusulas entre os fundadores
Se chamar amigos-do-peito para um projeto de negócio na maioria das vezes já é um erro (pois se considera tudo, menos a capacidade/habilidade daquela pessoa em desenvolver tal ou qual função), ainda pior é a falta de conversas sobre os direitos e deveres dos fundadores.
O problema é que muitas vezes impera a ideia de “não chatear” o outro, quando, na verdade, o pensamento profissional tem que ser o de dar vida longa à empresa, cada um sabendo o seu papel e o seu percentual. E o mais importante: estar satisfeito com isso.
Nessas horas vale o ditado: “o combinado não sai caro”. E algumas das cláusulas que devem ser discutidas seguem no tópico seguinte.
Vale, ainda, mencionar que as criações de empresas nos Startup Weekends necessitam de uma preocupação jurídica. Apesar desse tipo de evento ser importantíssimo para a comunidade de startup e para o empreendedorismo, as empresas neles criadas deixam de se preocupar com a segurança jurídica e, via de regra, não completam a 2a semana de criação, sobretudo considerando que as empresas fruto do SW já nascem com 6-7 sócios, sendo extremamente importante que se formalize o papel de cada um.
Erro 4: Achar que um modelo qualquer de Contrato Social é suficiente
Outro grande equívoco é o de achar que qualquer modelo de contrato social servirá para a abertura de uma empresa. Aliás, de fato servirá, mas unicamente do ponto de vista contábil e para a Junta Comercial.
Enquanto empreendedor, aquele modelo não é suficiente para sua empresa, pois é nesse documento que você indicará diversas cláusulas de proteção, direitos e deveres dos sócios e delinear o futuro da empresa.
É bem verdade que algumas cláusulas são passíveis de serem editadas num documento interno, com validade contratual, mas que igualmente não é feito. E daí vale aproveitar o momento de formalidade para já encaminhar todos os pontos sensíveis.
Apenas para mencionar alguns pontos (que por si dariam um artigo inteiro), os fundadores devem pensar em cláusulas como: vesting (direito de aquisição de cotas); cliff (perda de direitos societários caso abandone o barco dentro de um período fixado); direito de preferência (em caso de compra e venda de cotas); deveres e direitos de sócios (bem como direitos sucessórios em caso de fatalidade); regras de admissão de novos sócios (parte da pool options e como isso impactará os direitos já existentes); divisão dos poderes de decisão (quem decide o que, qual o quórum, etc.); direitos protetivos dos sócios minoritários (leia-se, investidores); distribuição de dividendos (quando, como em qual percentual); direito de informação (afinal, os minoritários quererão saber como andam os negócios em que investiram); dever de confidencialidade e de não-competição (protegendo o negócio, além dos sócios); dentre várias outras cláusulas que por si só já davam um artigo exclusivo.
Outro ponto importante de se colocar inteligência num contrato social é a possibilidade de se integralizar o capital intelectual em soma com o capital financeiro. Isso evita algumas complicações tributárias e, em caso de fim da empresa, facilita a dissolução empresarial.
Erro 5: Ignorar o poder de uma SCP (Sociedade em Conta de Participação)
Sem dúvidas, esse tópico trará divergência entre advogados (e esse é mais um motivo para você buscar aquele em que confia). Dentre o mundo do capital de risco, há uma premissa de que as Sociedade Anônimas (S/A) são as melhores estruturas jurídicas para operacionalizar o investimento. E de fato é bem interessante.
Mas igualmente é consenso de que uma Limitada (LTDA) é bem menos burocrática e mais barata (ainda que converta para S/A quando da hipótese de um investidor certo). Sendo assim, e após investir um tempo na construção inteligente do seu contrato social, formalize sua LTDA.
E é após esse momento que surge a possibilidade de uma SCP, que nada mais é do que um contrato particular e paralelo de novos sócios (investidores, aceleradoras/incubadoras ou novos funcionários que pegaram parte da pool option).
A SCP é as vezes chamada de “sociedade oculta”, já que não aparece para terceiros, como consumidores e prestadores de serviços – o que protege os investidores e, além disso, garante um controle administrativo maior para os fundadores.
E o interessante é que esse contrato particular pode ser levado à Receita Federal para registro e obtenção de um CNPJ, o que facilita a declaração de imposto de renda dos sócios ostensivos e passivos, da mesma forma que garante uma remessa de lucros sem que haja nova tributação de IR.
Alguns pontos importantes de uma SCP: estruturação da SCP pode adotar regras subsidiárias de uma Sociedade Anônima (e proteger alguns aspectos de votação, decisões extraordinárias, modificação societária e etc); garante maior controle ostensivo aos fundadores (pois os sócios passivos da SCP não possuem direitos de gestão, mas no máximo voto nas decisões não ordinárias da empresa); concede segurança aos investidores (pois não transferem as responsabilidades civis, consumeristas, tributárias, intelectuais e etc. para os sócios passivos); não gera bi-tributação de Imposto de Renda (tal qual uma S/A também não geraria) e; é imensamente mais barata do que uma S/A.
Há uma questão importante a ser considerada, e que vale o contato com seu advogado de confiança: Uma LTDA tributada pelo Simples Nacional pode ter uma SCP? Esse tópico é bem complexo e extenso para ser coberto nesse artigo, mas que fique a pergunta para ser dirimida com quem de confiança.
Erro 6: Não discutir/implementar vesting (direito de aquisição de cotas)
Vesting são direitos de aquisição de cotas sociais condicionados à tempo ou metas específicas. A legislação brasileira (diferentemente dos Estados Unidos, a exemplo) admite a situação em que o sócio “vestado” adquira as cotas a cada período de tempo/meta: ou seja, começa-se com 0% e à medida que aquela pessoa for dedicando tempo e esforço, vai confirmando seu direito à adquirir os %, até um limite previamente estabelecido. Nos Estados Unidos, começa-se com o % máximo, e tem condições “para não perder” aquele percentual (o que, no fim das contas, é a mesma coisa, mas com uma visão tributária distinta).
No Brasil, se Fulano tem 5% em vesting divididos em 5 anos significa que a cada ano ele confirmará o direito a 1% da empresa. Caso saia ou não performe antes de completar esse período, ou perde qualquer percentual (cliff) ou interrompe o seu direito àqueles % restantes.
Vesting está se tornando bem comum e é um efetivo instrumento para que os fundadores coloquem pessoas comprometidas no time, ao contrário de ter aquele amigão que com 3 meses vai abandonar o projeto mas que, pelo contrato social (mal redigido e não pensado) já garantiu seus X %.
Erro 7: Não pensar na Propriedade Intelectual
Já ouvi diversas vezes de empreendedores que “ter problemas com propriedade intelectual é um bom problema”, pois indicaria que seu produto está incomodando alguém e, por “lógica”, estaria tendo público, dinheiro e sendo bem sucedido. Obviamente esse argumento é falho. Ninguém constrói uma empresa para ter duração limitada – até que apareça uma ação de direito intelectual.
Há diversas maneiras de proteger a Propriedade Intelectual do seu negócio. Ainda que os aplicativos não tenham lá aquela proteção no Brasil, sempre há espaço para diminuir seus riscos.
Dentre as opções do INPI, as empresas se esquecem da proteção da marca (mas focam apenas no produto). Além disso, há a possibilidade de alguns registros em Cartórios Civis, pois autenticariam a data de algum documento e, eventualmente, de algum código de aplicativo.
Além disso, os acordos de confidencialidade (conhecidos como NDA) são um “mal-necessário”. É bem verdade que é desagradável solicitar a assinatura do NDA (pois há um “quê” que desconfiança por trás desse pedido – e isso pode soar mal com um investidor ou possível parceiro de negócio), além do que a execução de um NDA quando violado é algo demorado, custoso e incerto.
No entanto, mais vale ter aquele documento assinado do que ficar de mãos abanando quando uma ideia sua é copiada e acaba sendo um sucesso no mercado. Em todo caso, vale a proteção.
Lucas Pimenta Júdice
Lucas é advogado e CEO da MidStage Ventures (www.midstage.co), um VC-hands on que agrega às startups investidas todo um processo de aceleração com apoio jurídico, marketing, financeiro, business, negocial, administração, contabilidade, design, desenvolvimento de aplicativos e produtos, casting e network.