*por Patrícia Zaidan
Adoro os homens. Alguns já disseram que sei falar a língua deles. Entendo o mundo másculo e me viro muito bem nessa seara alheia. Meus colegas do sexo oposto (os fotógrafos, em especial) gostam de trabalhar comigo porque – segundo eles – topo qualquer parada: varo noite, durmo em canto sem conforto, ponho o pé na lama, não tenho frescura. Em resumo, estão sempre querendo dividir uma tarefa ou aventura profissional comigo. A reportagem me treinou para o front.
Aliás, o trabalho – mais duro que justo – treina a mulher para adversidades inimagináveis. Não foi fácil trocar a casa quentinha pelo ambiente obtuso, quase claustrofóbico, criado pela Revolução Industrial. A mulher teve que aprender a engolir a dor, fingir que não menstruava, que não estava deixando um filho para trás, com febre. E fazia a fina, simulando desconhecer problemas no amor. Foi esse o tributo pago para ser aceita na esfera pública das corporações. Assim, a empresa passou a se sentir dona da nossa alma. Permanecer na firma 10, 12 horas e levar trabalho para o fim de semana não é um retrato do começo dos 1960, fase da internacionalização da economia brasileira. Não, mesmo. Continua tudo igual. Às vezes, até pior.
Em casa, espera um marido, ficante ou amigo muito querido. Mas folgado pra caramba. Como poetizou Adélia Prado, eu também curto fritar um peixe (ou uma linguicinha) de madrugada com meu braço roçando o do pescador ou do homem que comprou o bicho com nadadeiras no supermercado e veio me surpreender. Ele, ali, colocando o tempero, servindo o vinho. As que não são de peixe podem adaptar a frase para: “Eu adoro fazer uma caipirinha com o meu amor”; “Dividir o queijo na frente da TV vendo o Corinthians dele jogar”; “Podar a roseira do quintal, juntinho”. A gente gosta de amar. E de viver o romance. Daí a enfrentar sozinha o tanque, a pia, o fogão, o cuidado com as crianças, as compras, a troca da lâmpada e o banho do cachorro é outra coisa bem diferente.
A essa altura do campeonato, 40% dos lares têm um nome feminino como carro-chefe, sem marido, com o parceiro de copiloto ou desempregado. É tolice, das grossas, carregar os afazeres domésticos como burro de carga. Verdade. A mulher é ainda o potro “que trabalha, trabalha de graça… é manso e não faz pirraça”. Querem ver?
O Ministério do Trabalho e Previdência Social divulgou nesta quarta (6/4) a pesquisa “Mulher e Trabalho”, analisando o período de 2004 a 2014. A conclusão: a participação dos homens na casa não evoluiu quase nada. As brasileiras gastam 25,3 horas semanais e eles apenas 10,9 horinhas. É bem menos que a metade! E, se o marido leva o carro ao mecânico, quer computar isso entre os afazeres domésticos. Quando está sem emprego e deveria, finalmente, aprender a cuidar, o vexame é ainda maior. Nessa situação, os homens passam a “doar” para a família 13,7 horas a cada sete dias. Enquanto a esposa dele empenha 21,7 horas na lida pesada e depois vai dizer na fábrica ou no escritório que deixou tudo em paz na retaguarda. Segundo esse estudo, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2004 o percentual de homens desempenhando funções no lar era de 46%; em 2014 teve ligeiro aumento, para 51%. As mulheres: 90% delas estavam na batalha da casa, e o índice continua praticamente inalterado.
Outra revelação: tanto faz ser negra ou branca; o malfadado peso das tarefas independe de raça. Com uma agravante na residência das pretas e pardas: a maioria delas não possui máquinas de lavar louça e roupa. Há quem defenda que as horas gastas por todas sejam remuneradas e contem tempo para a aposentadoria. Mais uma defesa: as empresas, feitas à imagem e semelhança do homem, com funcionamento idem, precisam entender que não são proprietárias dos seres humanos. E que os empregados têm filhos e vida pessoal. Os funcionários machos devem ser incentivados a sair do trabalho para levar a cria ao médico, ir à reunião da escola etc. Isso é responsabilidade social, mas o mundo corporativo a ignora.
Meus amores, meus queridos homens: passou da hora de acabar a brincadeira. Esse negócio de ser o caçador mofou. O provedor faliu. O macho alfa ficou preso à biologia – diferentemente do que ela explicava, o macho alfa não tem a exclusividade da força, habilidade, orientação espacial, facilidade para tomar decisões, personalidade marcante, bravura. Nesse barco, meus caros, estamos todos, homens e mulheres. Melhor vocês virem junto, torcerem também para o nosso time no estádio de futebol. E pararem de achar que, porque a mulher ama o romance e frita o peixe, o homem dela não precisa abraçar o vassourão, o fogão, o podão de grama, o negoção grandão que é a lida da casa. Tá bom assim pra vocês?
Matéria originalmente publicada no Portal Claudia